Entrevista a Rui Oliveira

 

Vamos entrar num novo pico de investigação de História Local

 


 

Jornalista, investigador, autor e divulgador da História de Sintra, sobretudo a das freguesias urbanas, Rui Oliveira respondeu a algumas perguntas por nós colocadas.


 
roliveira gO Rui Oliveira é um conhecido militante das causas da defesa do património e da divulgação da História Local. Como vê o desenvolvimento desse campo em Sintra, e que trabalhos ou autores lhe merecem maior reparo?

Em Sintra existe tradição, bem arreigada e já com “pergaminhos”, de a História Local merecer a atenção de estudiosos ilustres aqui nascidos, radicados ou simplesmente, de presença temporária ainda que assídua neste rincão. Acontece que, como tudo na vida, o interesse pela História de Sintra, Vila ou mesmo do concelho, tem oscilações geracionais. São conhecidos vários picos, na investigação e publicação, seguidos de uma aparente estagnação ou, se preferirem de pouco interesse, no sentido mais lato. No presente creio que vamos entrar em novo pico, quer de investigação quer de publicação. Existem novos entusiastas, tanto coletivos com individuais, novos investigadores e, sobretudo, meios de divulgação da História Local Sintrense inovadores, cujo alcance pela via da Internet, em blogues ou em páginas do Facebook, está longe de ser conhecido. Sob o ponto de vista da estrita publicação científica de História Local Sintrense, e não só, também se denota uma atitude inovadora e prestigiante com a revista Tritão, da responsabilidade da C.M. de Sintra.

Frequentemente o património fora do Centro Histórico é menos valorizado pela opinião pública. Que espaços locais ou memórias gostaria de ver mais divulgados, e como?
Sintra, concelho, tem vários centros ou núcleos históricos de grande interesse e valor patrimonial, seja do ponto de vista arquitetónico, sociocultural e económico; afinal estes correspondem à têmpera da sua História Local. Contudo, é uma realidade que têm passado, em minha opinião, completamente, despercebida ao poder autárquico sintrense e, ainda mais estranho, a algumas autarquias de base como são as Juntas de Freguesia, enquanto outras se tem esforçado, e muito, para registar em livro ou noutro tipo de documento a ancianidade desses locais. O exemplo mais impressionante neste aspeto, mas não o único, é o Centro Histórico de Belas, que reúne todo um conjunto de edifícios de traça arquitetónica e História que “rivaliza” com o Centro Histórico da Vila Velha de Sintra, mas está "adormecido". A sua revitalização é possível e desejável.


Que medidas preconiza para a recuperação de muito desse património, e por onde começaria, em sua opinião?
O primeiro passo, para a valorização patrimonial, é sempre a sua divulgação junto da comunidade em que se insere. Esta divulgação tem vários caminhos possíveis de trilhar com as comunidades escolares, religiosas, económicas, desportivas e culturais, etc. Posteriormente, os planos de salvaguarda, que na realidade até existem já, serem plenamente conhecidos e viabilizarem a valorização económica e patrimonial dos Centros Históricos, permitindo a revitalização social dos mesmos. Mas qualquer que sejam os trilhos a seguir estes têm de ser feitos com o contributo e participação da economia local.

roliveira g1No passado, o atual concelho de Sintra já foi espartilhado por várias realidades administrativas, como Colares e Belas, extintos no século XIX. Qual foi o principal legado desses concelhos nos planos cultural e patrimonial?
O legado é grande! Aí reside, afinal, também a riqueza de Sintra tanto no plano territorial, como demográfico e histórico. Sem a incorporação de Belas, por exemplo, Sintra ficava privada de duas “joias” importantes: o Palácio de Queluz e o Palácio de Belas; e de todo um conjunto monumental megalítico impar, que apesar de abandonado e degradado é o mais importante da Região de Lisboa. No caso de Colares, Sintra ganhou uma parte importante, porque imponente do ponto de vista histórico, da sua costa atlântica. Onde pontificam boas praias, uma boa gastronomia e produção vinícola; um conjunto patrimonial edificado e arqueológico importante, com particular destaque para o Templo Romano e Ribat da Praia das Maçãs. Quer um quer outro dos extintos concelhos de Belas e Colares, Sintra herdou bastante, mas nem sempre olhou com “olhos de ver” e até, na fase inicial de anexação, alienou património edificado remanescente das antigas câmaras que, no caso de Belas, sabe-se hoje, era importante do ponto de vista histórico. A vivência saloia é uma atitude de afirmação face à vida.

Fala-se muito duma identidade saloia. Essa identidade subsiste nos dias de hoje, e o que deve ser feito para a preservar?
A identidade ou vivência e cultura saloia, ainda é percetível em algumas freguesias do concelho de Sintra, bem como noutros concelhos do distrito de Lisboa. Porém, temos de compreender que este universo, dito saloio, é cada vez mais difuso. A razão está na rápida mutação da organização social e económica que suportava esse mesmo universo. Ora sabendo nós, os investigadores, que a vivência saloia é, antes de tudo, uma atitude de afirmação face à vida, tanto da comunidade como até a título individual. Que esta tende a desaparecer com o desaparecimento dos indivíduos, põe-se então o problema de como preservar a memória desta forma vida tipificada de saloia? - A resposta é simples não conseguimos. O que podemos e devemos fazer é incidir a nossa atuação no estudo do acervo material, remanescente dessa antiga realidade vivencial saloia, musealizar a nível concelhio, garantindo a sua pertença científica, a sua conservação e a sua potencialização económica e cultural. Atitude que tarda em Sintra e que é urgente, pois existe ainda acervo, nomeadamente na área do trabalho rural/alfaias agrícolas, disperso por vários grupos concelhios de temática etnográfica ou folclórica, em condições precárias, mesmo de risco. Materiais que reunidos e em conjunto com outro tipo de documentação seria a grande homenagem a todos os que durante séculos construíram o Concelho de Sintra grandioso, que hoje somos. Este é um dos caminhos a seguir, o outro, é o trabalho no terreno, de recolha do pouco que ainda subsiste do secular Universo Cultural Saloio.

 

###BLANK###