Recordar Pardal Monteiro

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Personalidade nem sempre recordada e ligada à atividade dos mármores no concelho de Sintra é o arquiteto Porfírio Pardal Monteiro, nascido em Pêro Pinheiro em 1897, e precursor do modernismo em Portugal nos anos trinta do século passado. Ligado pela família à indústria dos mármores, a ele se devem edifícios de referência na paisagem urbana do século XX, como sejam: o edifício do nº49 da Av. da República, em Lisboa (Prémio Valmor de 1923), a estação ferroviária do Cais de Sodré (1925-1928), o Palacete Vale Flor (Prémio Valmor de 1928), uma moradia no nº207 a 215 da Av. 5 de Outubro, em Lisboa (Prémio Valmor de 1929), a igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa (Prémio Valmor de 1938), o edifício do Diário de Notícias (Prémio Valmor de 1940), os edifícios das Faculdades de Direito e de Letras, em Lisboa, o Instituto Superior Técnico (1939), a Biblioteca Nacional e os Hotéis Ritz e Tivoli, em Lisboa.

Para Sintra, elaborou em 1924 o projeto para o novo hospital, a situar na zona da cadeia comarcã, infelizmente nunca executado. Efetivamente, em novembro de 1924 veio a Sintra o então Presidente da República, Teixeira Gomes, para o lançamento da primeira pedra do novo hospital. Fez-se auto do acontecimento e do mesmo se lavrou cópia, que se depositou debaixo da pedra em recipiente de vidro, enterrada testemunha para a eternidade daquele momento solene em que Sintra ia passar a ter o “seu” hospital. Vistosa foi a cerimónia, com acompanhamento musical das Bandas do 1º de Dezembro e dos Bombeiros da Vila e S. Pedro.

Contudo, os anos passaram, os regimes também, e do novo hospital, infelizmente, nem um tijolo, já que o Verbo nem sempre foi amigo da Verba.

Juntamente com um grupo notável, a que pertenceram José Cottinelli Telmo, Carlos Ramos, Luís Cristino da Silva, Cassiano Branco e Jorge Segurado, Pardal Monteiro protagonizou a viragem modernista da arquitetura portuguesa, destaca-se como o que mais construiu e que se celebrizou como primeiro moderno. Sem concessões, foi capaz de pegar no fio da tradição para inovar.

Filho de Pedro Manuel Monteiro e de sua mulher Mariana Gertrudes, nasceu em Pêro Pinheiro no seio de uma família de pedreiros depois tornados empresários da construção civil. Foi o mais novo de seis irmãos do primeiro casamento. Com o intuito de frequentar a escola e concluir a instrução primária, em 1904 foi viver para Lisboa na companhia de um irmão.

Estudou na Escola de Belas Artes de Lisboa (1910-1919), onde foi aluno de José Luís Monteiro e aprendeu arquitetura dentro dos padrões do «espírito clássico». Ainda durante a frequência da ESBAL trabalhou no ateliê de Miguel Ventura Terra, um dos mais destacados arquitetos do início do século em Portugal e figura venerada no círculo familiar de Pardal Monteiro. Ventura Terra tornou-se para si numa figura de referência.

Politicamente, foi um homem de convicções republicanas, tendo-se alistado em 1919 como voluntário no Batalhão Académico, formado para combater os rebeldes monárquicos que tinham conquistado o forte de Monsanto).

Em 1919, depois de terminar o curso de arquitetura, foi admitido na Repartição das Construções Escolares do Ministério da Instrução, e nesse mesmo ano casou-se com Maria Luísa Vasques Kopke Correia Pinto e concebeu o seu primeiro projeto, um solar à antiga portuguesa

Em 1920 ingressou no serviço de arquitetura da Caixa Geral de Depósitos (até 1929), que chefiou; tornou-se primeiro-assistente da cadeira de Arquitetura do curso de Engenharia Civil do Instituto Superior Técnico, e desenvolveu as sucursais de Alcântara, Setúbal e Porto da CGD. Dispondo de um orçamento de vulto, correspondente à expectável monumentalidade da obra, a agência do Porto representa um dos seus primeiros grandes desafios; nesse projeto, referenciado ainda a padrões neoclássicos, Pardal Monteiro integrou elementos que revelam a influência renovadora da Art Deco, aprendida em 1925 por ocasião de uma viagem a Paris onde visitou a Exposition des Arts Décoratifs et Industrieles Modernes. O seu trabalho irá então evoluir, num processo de depuração que o aproximou progressivamente da linguagem radical da arquitetura do movimento moderno.

A Estação do Cais do Sodré (1925-1928) constitui de algum modo a confirmação do seu talento, revelando um novo entendimento entre decoração e arquitetura, ainda dentro da impossibilidade do abandono radical do uso de elementos decorativos mas onde já é patente o afastamento da ornamentação eclética anterior. Na sua articulação entre estrutura e forma, esta obra é já uma clara afirmação de modernidade.

pardal-monteiro 2Em 1927 iniciou o projeto das novas instalações do Instituto Superior Técnico, ao Arco Cego, Lisboa, onde adotou, tal como no Cais do Sodré mas em muito maior escala, um sistema construtivo baseado no betão armado, marcando a união na ação entre Pardal Monteiro e Duarte Pacheco, então diretor do IST e futuro ministro das Obras Públicas e Presidente da Câmara Municipal de Lisboa). Obra emblemática da primeira vaga de arquitetura modernista em Portugal, ela traduziu a consciência, adquirida em viagens ao estrangeiro e através de revistas como L’Architecture d’Aujourd’hui, dos novos rumos da arquitetura internacional. Irão seguir-se os projetos do Instituto Nacional de Estatística e muitos dos mais importantes equipamentos da cidade de Lisboa da década de 1930.

Em 1933 projeta a Igreja de Nossa Senhora de Fátima, Lisboa, com a qual recebe o Prémio Valmor de 1938, projeto para o qual solicitou a colaboração de artistas plásticos como Francisco Franco e Almada Negreiros. Em 1934 dá início aos projetos das Gares Marítimas de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos, concluídas em 1943 e 1948 e onde contou, de novo, com a colaboração de Almada Negreiros, e em 1936 torna-se Presidente do Sindicato Nacional dos Arquitetos, lugar que desempenhará até 1944.

A partir de 1938 a encomenda pública portuguesa começa a ser condicionada por uma onda de revivalismo nacionalista, com predomínio de um vocabulário historicista e regionalista. Ao contrário de muitos companheiros de geração, Pardal Monteiro irá resistir a essa inflexão estilística, mantendo uma postura de rigor, sem se desviar das suas convicções utilitárias em prol de uma arquitetura de dignidade monumental, numa austera simbiose balançada entre a manipulação de volumes claros e puros e o frequente recurso a uma composição simétrica.

Teve um papel ativo na realização do I Congresso Nacional de Arquitetura em 1948, evento que marcou a emergência de uma nova geração que irá pôr em causa o papel de liderança, até aí praticamente incontestada, da sua geração.

A partir do final da década de 1940 projetou o Laboratório Nacional de Engenharia Civil e os hotéis Mundial, Tivoli e Ritz, em Lisboa. Este último, que não verá construído, assinalou o seu permanente desejo de actualização, sendo o momento em que Pardal Monteiro mais se aproximou do «Estilo Internacional» e dos princípios da Carta de Atenas.

Em meados dos anos de 1950 iniciou ainda os projetos para os primeiros edifícios da Cidade Universitária de Lisboa e para a Biblioteca Nacional, que só foram terminados.

António Pardal Monteiro, seu sobrinho, deu continuidade a alguns dos seus trabalhos com a colaboração de Anselmo Fernandez, colaborador de Porfírio Pardal Monteiro desde os anos 40. Mais tarde, em 1986, foi fundada, por António Pardal Monteiro e três de seus filhos arquitectos a sociedade Pardal Monteiro Arquitetos, prolongando a atividade de um ateliê onde colaboraram muitos arquitetos relevantes de diversas gerações.

Sendo um construtor de paisagem, sobretudo em Lisboa, foi em Sintra que teve as suas raízes, e curial se torna pois esta homenagem, num concelho que já acolhe obras da mestria de outros notáveis arquitetos como José Luís Monteiro, Norte Júnior, Raúl Lino ou Rosenda Carvalheiro, que assim fizeram do espaço arte e da paisagem a disrupção cénica que nos é hoje familiar e que nos distingue como moldura visual de muitas épocas e estilos, seja no eclectismo pictórico, seja no português suave revivalista.