Sintra do Passado: Chalet da Condessa

challet agenda-maio

O Chalé da Condessa, também conhecido como Casa do Regalo, foi construído entre 1869 e 1875 no talhão XII da parcela C do Parque, propriedade particular na sua totalidade de D. Fernando de Saxe Coburgo, rei viúvo de D. Maria II. Inspirado nos chalés suíços, ninho de amor e refúgio de pintura, concebido para maior privacidade do casal após o seu casamento, era parcialmente forrado a cortiça, com fachadas de alvenaria a imitar as casas rústicas americanas e pinturas de heras cobrindo as paredes. Tendo em conta o pendor rosa-cruz de D. Fernando, houve quem prenunciasse o destino trágico do edifício, que acabou consumido pelo fogo. A 12 de julho de 1890,e morto já D. Fernando, deixando toda a Pena e jardins em herança à condessa Elise Hensler, sua segunda esposa, o Estado Português comprou todo o património à mesma, por 410 contos em títulos da dívida pública, acossado por opiniões que entendiam ser um património demasiado importante para ficar nas mãos duma estrangeira. Estrangeira, que aliás, muito fez pela cultura portuguesa, ajudando com bolsas de estudo figuras como Viana da Mota e Columbano Bordalo Pinheiro. A condessa morreu em 1929,em Lisboa, e o chalé foi morrendo, entregue à incúria que parecia querer adivinhar a fatalidade de 1999, quando foi vítima de um incêndio.

Pode perguntar-se como herdou a Condessa d’Edla o valioso património de seu marido. Reproduzimos aqui parte do testamento de D. Fernando II:

“Declaro que em segundas núpcias sou casado com a senhora D.Elisa Frederica Hensler, condessa d’Edla, tendo tido lugar o nosso consórcio no dia 10 de Junho do ano de 1869,na capela real da sereníssima senhora infanta D. Isabel Maria, em Benfica, não tendo precedido contrato antenupcial. Por isso o nosso casamento foi feito nos termos do artº 1235º do Código Civil, não comunicando as duas terças partes dos bens que possuía ao tempo do casamento com a minha esposa, conforme o parágrafo 4º do artigo 1109º do mesmo Código. Portanto, constituo a minha muito amada esposa a senhora condessa d’Edla legatária de tudo o que por lei posso dispor. Quero que nos bens que couberem a minha esposa se compreendam os seguintes: móveis, objectos de arte, pratas, loiças, quadros, etc, que se acham nos aposentos ocupados por minha esposa no todo ou em parte, à sua livre escolha, todas as minhas propriedades situadas no concelho de Sintra, tais como, palácio da Pena e pertences, incluindo os chalés, castelo dos Mouros, quinta da Abelheira e pertences, São Miguel e pertences, as tapadas ultimamente compradas, incluindo a tapada nova dos Capuchos, assim como a mobília, prata, loiças e mais recheio do palácio da Pena, dos chalés e das outras casas acima mencionadas.

Peço a minha querida esposa que conserve por minha memória o mesmo sistema de disposição geral das plantações (…)sendo este sistema o único possível e apropriado a estes sítios para lhes conservar aquele carácter sui generis que todos lhe reconhecemos. Lisboa,Paço das Necessidades, aos 13 de Janeiro de 1885”

Mais tarde, por carta de lei de 25 de novembro de 1889,o governo de José Luciano de Castro comprou os bens imóveis pertencentes à condessa, por 410 contos em 6 títulos de dívida pública, tendo esta permanecido muito tempo como conservadora botânica da propriedade.

Do apoio à Misericórdia local à manutenção dos jardins da Pena, muito fez esta suíça-americana, mas portuguesa de coração, por Sintra. A Condessa faleceu no Coração de Jesus, freguesia de Lisboa, em 1929, aos noventa e dois anos, vítima de uremia, e recebeu na morte o tratamento e as honras de uma figura de Estado, tendo a rainha D. Amélia e o deposto rei D. Manuel II mandado o visconde de Asseca como seu representante ao funeral. O seu jazigo, no cemitério dos Prazeres, em Lisboa, está encimado por uma réplica da Cruz Alta, de autoria de Raul Lino.

 O Chalé da Condessa d’Edla, na Pena, foi concebido pela própria Elise Hensler, com o apoio do mestre de obras Gregório, tendo planta retangular no r/c e cruciforme no 1º andar, rodeado de uma varanda, e ao estilo das casas rurais americanas, onde a cortiça era dominante, em forma de hera, na fachada.

Tinha um salão grande, onde 4 troncos de hera em estuque enriquecidos por nervuras em cobre entrelaçavam nas cornijas as ramagens cobertas de folhas, e o quarto de D. Fernando no 1º andar, com encastoamento arabizante feito de cortiça pintada a várias cores. No 1º andar também, o quarto da condessa, virado para o de D. Fernando, separados pela escadaria, onde na parede fronteira estavam gravadas as armas de Saxe e de Portugal, e no fim da escadaria, com torneados arábicos, uma pintura de um pastor pintando flauta. O quarto da condessa estava decorado de rendas sob fundo azul, obra de Domingues Freire, filho do afamado pintor da época Luciano Freire. Todos os interiores de estuque estiveram a cargo de Sebastião Ribeiro Alves.

Letizia Ratazzi, a famosa viajante que por essa altura esteve em Portugal, comparou mesmo tal local á sublime Arcádia. Hoje, felizmente, está restaurado e devolvido à fruição pública.