DREAMERS
RODRIGO CANHÃO
02 de junho a 16 de julho de 2023 I MU.SA – Galeria Municipal – piso 0
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abertura

Em 2019 RODRIGO CANHÃO iniciou uma série de pinturas que têm na sua origem fotografias estereotipadas de americanos do início e meados do século XX.
Quando nos deparamos com esta sua obra artística, intitulada DREAMERS, o artista brinda-nos com a ironia, o sarcasmo e o sentido pervertido de empolgantes e recônditas figuras e é inevitável o encantamento sobre este seu trabalho. A originalidade espelha-se na multiplicidade, imaginação, humor, ironia, sarcasmo, irreverência destas personagens.
A singularidade que perpassa na trajetória destas estórias visuais inscreve-se no âmbito do entendimento do artista sobre duplicidade experiência-juízo, ou seja, RODRIGO CANHÃO não pretende, por meio do seu trabalho, persuadir o público a interpretar o entorno social que se desbrava. Pelo contrário, o que se encontra em questão é a possibilidade do observador questionar, refletir as suas próprias interpretações a respeito da condição humana e suas idiossincrasias, uma vez que esse drama nos atinge de forma explícita ou implícita.
Esta exposição de RODRIGO CANHÃO é uma sensação viva que arrepia a pele. as figuras enigmáticas e multifacetadas sabem enganar.

Dream a little dream of me

Há um duplo de mim que desce as ruas calcetadas, há um duplo de mim que sonha acordado, há um duplo de mim que já não sou eu e que entra na casa esverdeada.
No hall de entrada, um desenho de muitas pessoas a subir estranhamente a escadaria, como se fossem pessoas a subir estranhamente a escadaria a ainda a entrar pela sala lavanda ou roxa ou lilás ou azul gasto…

Do lado direito da lareira, acha-se um quadro gigante com figuras antropomórficas em sobreposição. Do outro, umas fendas profundas alastram-se pela parede, prenúncio do dia em que cairá sem piedade. Umas almofadas purpurejas, no sofá de onde posso ver o fim que se senta em mim. Não me dei conta da hora em que os objectos mudam de lugar, nem de quando as palavras se tornaram estranhas. O silêncio enchia a sala criando desajustes e asfixiando a planta e os quadros. Tal como um gesto sonâmbulo, quando o ar se apagar. Era a casa de um artista. O seu realismo era falso, ficcionado, de quadros inacabados, de uma ou outra representação desfocada, de dois meninos de costas, de um acrobata, cheio de velaturas estranhas que faziam com que o quadro se movesse. De um cão que se repetia nos outros quartos, mudando de posição e de roupa. Uma nota a grafite: os cães ladram facas. Um homem sempre diferente, mas o mesmo homem muitas vezes, em retraimentos atemporais, dorian gray, estava escrito no papel que vestia a parede, cenário com fotografias de familiares distantes, de outros lugares. A evocar a condição humana onde o grande mistério é que, da nossa própria prisão, de dentro de nós mesmos, conseguimos extrair imagens suficientemente poderosas para negar a nossa insignificância.
(Ecos, ecos distantes de um disco de vinil, vindos de certo do sótão que é lugar destas coisas)

Dreamer, you know you are a dreamer
Well can you put your hands in your head, oh no!

Este lugar onírico esconde e revela memórias perdidas e encontradas, outras evocações, o outro lado do espelho, imagens sonoras convocadas pelas cores. Invade-me uma nostalgia febril. Então, murmuro desconversas de uma pessoa impercetível. Fiquei mudo e não tinha percebido. Afastei-me devagar do quadro que me tirou as cores de um ser vivo e sou invisível. Ainda aceno com uma mão improvável, mas nenhum ser me devolve o gesto: era invisível e agora sou morto. Vais perceber, eu sei, depois da última palavra que te dei que não havia vida em mim, nem deuses nem vozes nem fantasias.

Dreamer, you stupid little dreamer
So now you put your head in your hands, oh no!

Saí para o parque desalinhado e sentei-me num pedaço de chão. Quando olhei para cima, um casal de velhos percorria, a grande dificuldade, o perímetro que me apertava. Um saco pesado arrastava-se entre os dois. Gostei da velhice acompanhada e do saco que se passeava nas mãos, levado por quem cuida do seu amor. Quis chorar. Desde criança, imagino que a chuva é o choro dos mortos. E chorei.

Teresa Klut
Directora da Quinta Magnólia – Centro Cultural
Sobre o autor



Nasceu em Coimbra em 1968, atualmente reside e tem atelier em Santo Varão, Montemor-o-Velho. Iniciou o seu percurso artístico em 1983 no CAPC-Círculo Artes Plásticas de Coimbra, onde conheceu e teve orientação em pintura da Artista Túlia Saldanha. Dedica-se desde essa altura a várias formas de criação artística. Integrou várias exposições coletivas e individuais em Portugal e no estrangeiro. É Licenciado em Multimédia pelo Instituto Superior Miguel Torga de Coimbra e Mestre em Criação Artística Contemporânea pela Universidade de Aveiro.

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